Tema da SNCT

3° Mês da Ciência Tecnologia e Inovação - Ciências Básicas Para o Desenvolvimento Sustentável


Desde 2021, o Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (ICT UNIFESP) prepara um mês de atividades abertas e gratuitas ao público em geral, com temas relacionados à pesquisa e extensão de acordo com os propostos pela Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), coordenada pela Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). O tema da 20° SNCT é: “Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável”. Tal temática possui forte aderência com a missão da UNIFESP, que se engaja ativamente na promoção e implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)1. Os ODS são uma série de metas globais que visam abordar desafios sociais, ambientais e econômicos e promover um desenvolvimento sustentável em todo o mundo. Nesta 3° Edição do Mês da Ciência, Tecnologia e Inovação do ICT (Mês CT&I), o ICT UNIFESP irá desenvolver várias ações voltadas à popularização da ciência e mostrar sua importância no desenvolvimento sustentável de um país.

As Ciência Básicas tratam-se das ciências fundamentais, como a Matemática, Física, Química e Biologia, que fornecem uma compreensão dos princípios e leis naturais que governam ou explicam os fenômenos da natureza, humanos e das matemáticas. As ciências básicas, portanto, se dedicam à investigação e compreensão dos princípios fundamentais e leis da natureza, sem necessariamente um objetivo imediato de aplicação prática. Buscam expandir o conhecimento científico,  por meio de estudos teóricos ou experimentais, e proporcionar uma base sólida para o desenvolvimento de aplicações e tecnologias urgentes ou futuras. E, mesmo sem uma aplicação imediata, seu estudo é essencial para o desenvolvimento sustentável de um país. Além do melhor entendimento do papel do homem no mundo, é a partir desses estudos que se estabelecem as bases para a criação das tecnologias usuais e das soluções inovadoras, não só para o nosso bem estar, como também para nos auxiliar na resolução de problemas relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento social e econômico.

As pesquisas movidas unicamente pela curiosidade intelectual dos pesquisadores têm trazido uma extensa variedade de resultados práticos e que representam, nos países em que as descobertas são realizadas, a possibilidade de ganho econômico por meio de inovações e patentes. Por exemplo, a aplicação prática da Teoria do Funcional da Densidade de Walter Kohn, partindo da demonstração de dois teoremas matemáticos (Teoremas de Hohenberg-Kohn2) permitiu um método para o cálculo de propriedades dos sólidos. Isso possibilitou o desenvolvimento da Teoria do Funcional da Densidade, que se tornou uma ferramenta central na Física da Matéria Condensada e na Química Quântica. O algoritmo proposto por Khon e Sham, publicado em 19653, é o fundamento para a fabricação dos microprocessadores e, assim como na área dos metais e semicondutores, também é usado para prever propriedades de polímeros e, agora, nanomateriais (materiais cuja dimensão principal é menor que a bilionésima parte do metro). Os químicos usam a mesma teoria para entender reações químicas e os bioquímicos, para prever a interação entre proteínas e novos compostos moleculares. Ainda, foram os avanços no entendimento do sistema imunológico e a possibilidade de colaboração global entre cientistas e instituições de pesquisa, com uso de tecnologias avançadas e investimento financeiro massivo, que permitiram recentemente a criação de, ao menos, dez vacinas seguras para a Covid-19 em tempo recorde, sem comprometer a qualidade e a segurança dos imunizantes. 

São esses estudos mais fundamentais que fornecem o conhecimento necessário para o melhor entendimento das leis da natureza, os processos que ocorrem em nosso planeta e o entendimento de sistemas complexos. Esse conhecimento também é essencial para a elaboração de políticas públicas que busquem promover o desenvolvimento sustentável, como o uso de fontes de energias renováveis (Energia Verde), a redução do desperdício de recursos naturais, a segurança cibernética e a proteção da nossa biodiversidade. 

Assim, o conhecimento acumulado pela Ciência Básica é essencial para a criação de tecnologias inovadoras, que podem ajudar a resolver os principais problemas ambientais, econômicos e sociais. E, portanto, é contestável a ideia de que seria um gasto e não um investimento o montante destinado a essa área mais básica do conhecimento. Por exemplo, na área da Física, o estudo da matéria condensada e dos semicondutores, levou ao desenvolvimento dos circuitos integrados que são a base da eletrônica moderna. Mesmo estudos aparentemente tão distantes do cidadão comum, como a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade de Einstein, levaram ao desenvolvimento de tecnologias como: lasers, computadores quânticos (que têm o potencial de revolucionar a computação e a criptografia), a tomografia computadorizada (usado em imagens médicas) e o GPS4 (o sistema de posicionamento global), mudando a forma como vivemos e trabalhamos, só para citar alguns exemplos. Até mesmo estudos altamente abstratos em matemática, como a Teoria dos Grafos (um ramo da matemática que estuda a estrutura de redes) e a Teoria dos Números (ramo da matemática que se dedica ao estudo das propriedades dos números inteiros) levaram ao desenvolvimento de algoritmos criptográficos avançados, os quais são usados em sistemas de segurança cibernética e técnicas de otimização que são amplamente utilizadas em aplicações como a logística e o planejamento de rotas.

Um exemplo de aplicação direta da pesquisa básica no Brasil, e que vem rendendo uma economia anual de bilhões de dólares na produção de soja, é a fixação biológica de nitrogênio (FBN)5 em plantas, desenvolvida pela engenheira agrônoma, Johanna Döbereiner. A pesquisadora foi uma das pioneiras nessa área onde, na década de 60, poucos cientistas acreditavam que a FBN poderia ser mais rentável que o uso de fertilizantes nitrogenados, muito utilizados pelos EUA na produção de soja. Em seus estudos, a Dra. Döbereiner propôs a inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio6 (bactéria rhizobium) em sementes de soja fazendo com que a soja plantada passasse a gerar seu próprio adubo, o que se tornou uma prática comum na agricultura brasileira. Devido ao programa brasileiro de melhoramento da soja7, iniciado em 1964, e aos trabalhos da Dra. Döbereiner, o Brasil se tornou um dos maiores produtores de soja do mundo (produção de 123.829,5 milhões de toneladas, CONAB - Levantamento de 09/2022)8. Assim, a fixação microbiológica de nitrogênio na soja tem sido uma prática importante na agricultura brasileira, pois permite a redução do uso de fertilizantes nitrogenados, com uma economia anual de bilhões de dólares, e que contribui para a redução do impacto ambiental na agricultura.

Portanto, as ciências básicas se revelam uma fonte de novas descobertas e uma ferramenta indispensável para impulsionar o desenvolvimento sustentável de uma nação. São tantas as descobertas revolucionárias que moldaram o mundo que conhecemos hoje, que é improvável não se surpreender com elas. Por exemplo, a descoberta da estrutura do DNA revolucionou a biologia, abrindo caminho para terapias genéticas e aprofundando nosso entendimento sobre a vida e nós mesmos (atualmente, descobertas sobre o envelhecimento abrem a possibilidade para seu possível retrocesso). Ou a descoberta acidental da penicilina que trouxe a cura para infecções, antes mortais, e conseguiu salvar inúmeras vidas. E não podemos esquecer da tecnologia de comunicação sem fio, que aproximou pessoas fisicamente distantes nesses últimos anos de pandemia. Ou, ainda, a Inteligência Artificial que, no campo do Aprendizado de Máquina e Redes Neurais, está transformando nossas vidas, desde carros autônomos até assistentes pessoais inteligentes e corretores/tradutores de texto.

Promover a ciência básica também pode ajudar a melhorar a qualidade da educação científica, fornecendo ferramental cognitivo para que os alunos e as alunas* não acreditem em Desinformação (“Fake News”) e incentivando a formação de novo(a)s cientistas e pesquisadore(a)s. Além disso, como mencionado no início deste texto, a pesquisa científica tem o potencial de favorecer os investimentos no mercado produtivo, gerar empregos e impulsionar a economia, tornando-se uma prioridade para o desenvolvimento nacional em planos de médio e longo prazo.

Por fim, gostaríamos de agradecer aos recursos obtidos via chamada específica do CNPq, oriundos do MCTI, à ilustração vencedora do VII Concurso de Desenhos para a 20° SNCT, de onde nos inspiramos para o desenvolvimento de nossas artes, e à toda equipe envolvida no planejamento e no desenvolvimento do Mês. Muito obrigado!

Prof. Dr. Edson Giuliani Ramos Fernandes


Referências 

1) SOBRE o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Nações Unidas Brasil, 2023. Disponível em:< https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 14 de jul. de 2023.

2) HOHENBERG, P.; KOHN, W. Inhomogeneous Electron Gas. Physical Review. v. 3B, p. B864-B871, 1964.

3) KOHN, W.; SHAM, L. J. Self-Consistent Equations Including Exchange and Correlation Effects. Physical Review. v. 4A, p. A1133-A1138, 1965.

4) Do inglês, Global Positioning System.

5) BALDANI, V.L.D.; BALDANI, J.I.; DÖBEREINER, J. 1987. Inoculation of field grown wheat (Triticum aestivum) with Azospirillum spp. in Brazil. Biology and Fertility of Soils. v. 4, p. 37-40, 1987. 

6) DÖBEREINER, J.; FRANCO, A. A.; GUZMÁN, I. Estirpes de Rhizobium japonicum de excepcional eficiência. Pesquisa Agropecuária Brasileira. v. 5, p. 5155-161, 1970.

7) MEMÓRIA Embrapa. Embrapa 50 anos, 2023. Disponível em: <https://www.embrapa.br/memoria-embrapa/personagens/johanna-dobereiner>. Acesso em: 14 de jul. de 2023.

8) EMBRAPA soja. Embrapa 50 anos, 2023. Disponível em: < https://www.embrapa.br/soja/cultivos/soja1/dados-economicos >. Acesso em: 14 de jul. de 2023.

*Embora tenha aumentado a participação de mulheres e meninas em áreas básicas da ciência e na tecnologia, nos últimos anos, esse crescimento ainda é muito modesto e a participação feminina ainda é muito pequena e deve ser incentivada. Sem contarmos o percentual de mulheres negras ou indígenas!